A adaptação a um país novo nunca é fácil. Mas, antes de se preocupar com outra coisa, o imigrante precisa colocar comida na mesa. Não adianta achar a cultura maravilhosa, não adianta admirar a limpeza, a segurança, a mobilidade das cidades, não adianta se sentir livre de discriminação e integrado a uma sociedade que aceita costumes de povos diversos se não se tem um salário para poder respirar aliviado.
Tanto que o governo federal considera o visto de residência permanente como apenas mais uma etapa do processo de imigração. Mas não a etapa final. A última fase do processo se dá exatamente quando o imigrante desembarca e tem que encarar a nova realidade de frente. Aprender ou aperfeiçoar a língua, situar-se sobre como as coisas funcionam e, no final das contas, saber se colocar no mercado de trabalho.
Então, nossa missão inicial foi obviamente conseguir emprego. Demorei de abril a agosto de 2000 até passar pelas infinitas entrevistas e começar a trabalhar na Nortel. Parecia que tudo ia engrenar a partir daquele momento.
Com o emprego na Nortel garantido, a nossa nova vida no Canadá começou de verdade. A integração com os colegas de trabalho, as conversas sobre planos de aposentadoria, os benefícios oferecidos pela empresa, etc.
O emprego é a chave para o sucesso da imigração. Só que o imigrante também tem que se preparar para perdê-lo. E eu não estava nem um pouco preparado para o que viria depois da minha saída da Nortel.
A bolha da internet havia estourado para valer. O desemprego no Canadá chegou ao nível mais alto que presenciei desde a chegada. O índice de desemprego batia na casa dos 8%, altíssimo para o país. O desemprego só chegaria nesse patamar novamente em 2009, durante a “Grande Depressão”.
O ano de 2002 começou de forma melancólica para nós. Se durante o ano da nossa chegada, eu havia sido chamado para várias entrevistas, culminando com o emprego na Nortel, dessa vez a situação foi bem diferente. Só fui chamado a 01 (UMA) entrevista nos primeiros seis meses do ano. Só a Nortel tinha 23 mil funcionários em Ottawa. Fora os fornecedores que foram afetados pela reação em cadeia e também reduziram pessoal quando os pedidos começaram a ser cortados. Era muita gente procurando emprego. A concorrência por uma vaga de emprego era feroz.
Fui a algumas feiras de emprego, mas foi uma experiência infrutífera. Filas enormes de candidatos esperando para ter cinco segundos de conversa com um representante de uma empresa. Só o suficiente para entregar-lhes o seu currículo e passar para o próximo quiosque.
Falei também com várias agências de emprego, mas elas nunca apresentavam propostas para vagas que batessem com o meu perfil.
No resto do tempo, ficava em casa procurando novas vagas, mandando currículos e esperando horas e horas por uma ligação para marcar uma entrevista, ligação essa que nunca chegava.
O mercado de informática era forte em Ottawa, mas se restringia na época às empresas de telecomunicação e ao governo federal. O estouro da bolha da internet implodiu as vagas de telecom, restando apenas o governo. E o processo de contratação no setor público era bem diferente.
Primeiro, você tinha que fazer várias checagens de antecedentes criminais, no meu caso, no Brasil e no Canadá. Tinha que fornecer suas impressões digitais e tudo mais. Depois, você esperava meses para ser contatado para uma entrevista. Ou mais de uma se necessário. E depois disso, a resposta final também poderia levar semanas, ou até meses. Enfim, um processo pra lá de demorado para quem tinha pressa em resolver a situação.
Para piorar, o governo praticava o que chamava de “preconceito reverso”. Ou seja, para tentar compensar as injustiças para com os povos indígenas, as mulheres, as minorias étnicas e os veteranos de guerra cometidas no passado, o governo agora dava prioridade a esses grupos. Os cidadãos canadenses também tinham prioridade em relação aos residentes permanentes. E naquela época, eu ainda não havia acumulado tempo suficiente no país para requerer a cidadania. Enfim, ser homem, branco e não-cidadão era basicamente a combinação mágica para não ser contratado pelo governo federal. Eu seria sempre o último da fila.
Com a angústia aumentando, conversei muito com os meus pais e alguns amigos, sempre procurando manter a calma e reunir forças para seguir em frente. Essas conversas sempre me ajudaram muito nesse difícil processo.
Nesse meio tempo, um grande amigo estava por aqui nos visitando. Incentivado por ele, fui reestabelecendo a ponte com os amigos no Brasil, até que uma amiga dos tempos da universidade me abriu as portas com um contrato na empresa dela.
Talvez eles nem se deem conta disso, mas os dois salvaram o meu ano.
Fiz algumas entrevistas por telefone com outros sócios da empresa e terminamos acertando um contrato de seis meses.
Minha esposa pediria demissão do emprego dela e passaríamos seis meses no Brasil para ver o que o futuro nos reservava.
Mas aquele era o ano da dificuldade. E essa solução parecia ser simples demais. Eis que o destino nos brinda com outra difícil decisão.
Enquanto eu arrumava as malas e a seleção brasileira ia aos poucos passando de fase na Copa do Mundo de 2002, já desconfiávamos da gravidez. Com o atraso no ciclo, fizemos um daqueles exames de farmácia mas por incrível que pareça ficamos em dúvida quanto ao resultado. Dizia que se aparecesse um tracinho completo, era positivo, se não aparecesse nada, era negativo, mas apareceu um tracinho bem clarinho e a gente continuou sem ter certeza sobre o resultado.
30 de junho de 2002. O Brasil se sagrava pentacampeão mundial e eu me mandava para o aeroporto. Cheguei em Guarulhos com uma festa enorme no saguão. Todo mundo com suas camisas canarinhas. E eu quieto no meu canto.
De lá, segui para o Recife, onde comecei a trabalhar no dia seguinte. A experiência foi válida. Dei cursos e tive a oportunidade de compartilhar a minha experiência de trabalho no Canadá. As pessoas pareciam interessadas. Os cursos estavam sempre lotados e as avaliações foram muito positivas, o que me deixou muito contente. Tive também a oportunidade de fazer algumas consultorias pelo Brasil afora e conheci muita gente boa no processo.
Foi importante também relembrar as dificuldades da rotina de trabalho no Brasil: o trânsito infernal para chegar e sair do trabalho, as reuniões que não tinham hora nem para começar nem muito menos para terminar, e por aí vai.
Na primeira semana de trabalho, a gravidez foi confirmada de forma definitiva. Ela não mais pediria demissão para não perder o direito à licença maternidade (que no Canadá é de um ano). Seria muito importante contar com esse dinheiro na volta, já que eu ainda estaria sem emprego.
Para embolar ainda mais o meio de campo, enquanto estava no Brasil, fui contatado pela Receita Federal Canadense para fazer uma entrevista de emprego lá. Uma pena. Talvez tivesse sido a minha chance de ter sido contratado pelo governo federal. Mas eu não aguentaria ter esperado tanto tempo sem emprego.
Fiz de tudo. Pedi a eles para fazermos uma entrevista inicial via Skype, que estaria lá assim que pudesse, mas não teve jeito. O processo exigia que a entrevista fosse feita pessoalmente. Tive que deixar a oportunidade passar. Não poderia abrir mão do contrato que tinha para uma oportunidade que ainda era incerta. E também não poderia deixar na mão os que haviam confiado em mim até que eles tivessem achado um substituto para ser treinado e tomar as rédeas da situação. E assim foi feito.
Com as coisas sob controle, consegui então encerrar o contrato uma semana antes do combinado para que pudesse voltar ao Canadá antes do Natal. Lá estava ela me esperando no aeroporto, no sétimo mês de gravidez, com a nossa princesinha na barriga.
Dizem que a chegada de uma criança dá sorte. Não tenho como duvidar disso. A partir de 2003, nossa vida realmente começou a engrenar por aqui.