E a nossa aventura canadense vai atingindo a maturidade. Como passou rápido! 18 anos do voo só de ida. Numa data tão significativa, precisava fazer uma reflexão sobre o que nos fez “ir ficando” durante todos esses anos.
Quem já visitou o Canadá sabe que o povo canadense é diferenciado. Basta observar a rotina de uma cidade canadense por um dia para chegar a esta conclusão. Povo ordeiro, respeitador. As coisas funcionam principalmente por causa do comportamento das pessoas. É tão simples de observar (e ao mesmo tempo tão difícil de implementar) que dá raiva.
Eles não são perfeitos. Isso seria impossível. De toda forma, Podemos aprender muito com os canadenses.
Alguns aspectos da sociedade canadense me impressionaram muito na chegada. Outros nem tanto, mas com o tempo, começamos a assimilá-los. Mas não resta dúvida que nossa vida aqui tem sido um constante aprendizado. Estamos sempre repensando conceitos pré-estabelecidos e fazendo uma autocrítica de como podemos ser cidadãos mais engajados.
Senso de comunidade
Uma coisa que mudou a minha vida para sempre foi o senso de comunidade e caridade dos canadenses.
Confesso: nunca fui uma pessoa caridosa no sentido clássico, daquelas de dar esmola aos pedintes na rua. Ouvia o mestre Luiz Gonzaga dizer: “mas, doutor, uma esmola para o homem que é são ou lhe mata de vergonha ou vicia o cidadão”
Sempre achei que a caridade simbolizava o fracasso do Estado. E de certa forma, é verdade. Mas é aí que está a grande lição!
O Estado jamais será perfeito. Sempre existirão pessoas precisando de ajuda. Algumas serão contempladas por programas de governo, outras não. Isso não quer dizer que a sociedade não possa fazer nada a respeito. Mesmo as que recebem alguma ajuda governamental podem ter sua qualidade de vida incrementada com ações da comunidade.
Existem várias formas de ajudar as comunidades mais carentes sem ser através da tradicional “esmola”. Trabalho voluntário, apoio às instituições de caridade e participação em mutirões são algumas das ações que estão sempre ao nosso alcance. Estas instituições fazem trabalhos importantes em diversas áreas, seja amparando crianças esperando por uma adoção, ajudando mulheres que sofreram violência doméstica a buscar um novo começo ou angariando fundos para pesquisas médicas que melhorem a qualidade de vida da população. Merecem, portanto, o apoio da população.
Ah, parei também para ouvir o resto da música de Luiz Gonzaga, chamada “Vozes da Seca”. A música mostra que quando a sociedade dá condições dignas ao povo, o resultado é o desenvolvimento da região. Gonzagão sabia das coisas.
Respeito às regras
Já falei várias vezes: ninguém é santo. O canadense também não. Mas no geral, você vai observar um nível muito alto de respeito às normas e às regras da sociedade.
Se você prestar atenção direitinho, pode ser que veja um motorista tentando tirar vantagem no trânsito, ou alguém sujando a rua.
Sim, também existe crime, existem malfeitores, mas com índices de violência muito abaixo do que o brasileiro, por exemplo, testemunha no seu dia-a-dia.
Mas no geral, pouquíssimas pessoas vão entrar na sua frente sem perguntar se você está na fila. Pouquíssimas pessoas vão levar um produto de uma loja sem pagar, mesmo se o produto estiver do lado de fora da loja por conta de alguma promoção ou queima de estoque.
No Canadá, o respeito às regras é a regra. Não a exceção.
Inclusão
O imigrante sempre tem aquela pulga atrás da orelha: será que vou ser bem aceito? Bem recebido? Ou estarei sempre à margem da sociedade? A nossa experiência tem sido bastante positiva. No geral, se você estiver aberto a novas amizades, elas irão acontecer. Se você mostrar a sua competência no trabalho, será reconhecido independente da sua cor, sexo ou país de origem.
Ainda existem desafios, especialmente com uma sociedade que está se tornando tão diversa culturalmente. Problemas de primeiro mundo, como algumas pessoas gostam de dizer. Mas, de maneira geral, as pessoas são aceitas como elas são.
Educação
Já falei um pouco da parceria benéfica entre escola e família para atingirmos um grau satisfatório de educação.
Mas quando falo em educação, não estou falando de diplomas, pós-graduações, mestrados, doutorados, etc. Educação é uma coisa, conhecimento é outra.
Estou falando da educação básica, do respeito ao cidadão, da forma como as pessoas são tratadas na rua.
Vejo muita gente no Brasil culpando os políticos e as escolas pela falta de educação doméstica. Não veem a incoerência desta colocação! Ora, como o nome diz, essa é a educação que vem em casa. Não se ensina através de cartilhas, livros, aulas. É passada (ou pelo menos deveria ser) de geração em geração através de exemplos, comportamentos e ensinamentos por parte dos adultos e muita observação por parte das crianças. Lembre-se sempre que quando você dá um mau exemplo seja lá por qualquer motivo, a criança está ali, observando tudo. Pode ser que você esteja tendo um dia ruim, esteja sem paciência, enfim, somos todos humanos. Mas o exemplo (bom ou mau) será observado (e possivelmente internalizado) pelo cidadão em formação. Se o exemplo não vier de casa, não tem parceria com escola que dê jeito.
Mão na massa
Mas não é só a questão da educação que tem um grande impacto na sociedade canadense. A própria forma como o país se desenvolveu, sem escravos, sem trabalho forçado, numa terra de clima ingrato, obrigou os primeiros colonos a colocarem a mão na massa. Se o abrigo não estivesse pronto para o inverno, morriam todos de frio.
Mas não era só o abrigo. A colheita tinha que ser finalizada antes do inverno chegar, senão morriam todos de fome. E por aí vai…
Com isso, criou-se a cultura de fazer as coisas por conta própria. Marcenaria, carpintaria, pintura, reparos gerais, instalação de eletrodomésticos, montagem de móveis, manutenção do jardim e da casa em geral são atividades constantes realizadas pelos próprios donos da casa.
Com tanto trabalho para deixar as coisas em ordem, faz sentido que o canadense tenha orgulho em manter as coisas em ordem por mais tempo possível. Embora a gente saiba, no fundo, que é um trabalho sem fim.
Envolvimento na criação dos filhos
Podem falar o que quiserem dos canadenses, mas eles são responsáveis diretos pela criação dos seus filhos. A diferença na estrutura do lar contribui muito para isso. Como quase ninguém tem cozinheira, babá, etc., ficam a cargo dos pais tarefas na criação dos filhos que muitas vezes são delegadas em países que se desenvolveram com a cultura da mão-de-obra fácil. São os pais que colocam os filhos para dormir, que trocam fraldas, que cozinham para as crianças, que dão banho, que ajudam no dever de casa, que levam para aula de natação, hóquei, futebol, dança, música.
Os pais podem até estar fazendo tudo errado. Mas que os filhos são criados por eles, ah, isso são.
Patriotismo
O amor à pátria deveria ser o elo derradeiro que une os cidadãos. Aqui, a gente consegue ver isso. Todos são agradecidos pela sociedade que foi construída e que continua se moldando para se adequar às mudanças impostas pelo tempo.
O patriotismo canadense não é exagerado, não é megalomaníaco, mas vai muito além de eventos esportivos. É quase um sentimento de gratidão pelas condições de vida oferecidas.
E a isso tudo, depois de tudo que passamos nesses 18 anos, somos realmente muito gratos.