20 de abril de 2000. Esse foi o dia em que deixamos de maneira definitiva o Brasil. Só não sabíamos disso. Ainda.
A ideia de sair do Brasil partiu de mim. Até hoje não sei como convenci uma menina recém-formada em odontologia, que não falava inglês, não tinha a menor vontade de sair do país, era super ligada à família e às suas raízes a casar comigo e se mandar para o Canadá. Poxa, relendo esse parágrafo agora, fiquei até orgulhoso do meu feito!
A negociação foi mais detalhada do que isso. Ela queria garantias de que, em um ano, a gente reavaliaria a situação e voltaria ao Brasil se nada estivesse dando certo. Ou, se a gente fosse ficando mesmo, queria a garantia de visitar a família quando completássemos um ano de Canadá. E assim foi feito. Em março de 2001, ela voltou ao Brasil, sozinha, para visitar a família. Visitou o pessoal e retornou ao Canadá. Ufa!
Mas, voltando ao dia da partida, depois que recebemos o visto de imigração, marcamos uma data aleatória para a nossa viagem.
– “20 de abril tá bom, né amor?” – perguntei despretensiosamente.
– “Tá.” – foi a resposta.
E assim marcamos a nossa passagem, sem saber na época, para a semana da Páscoa. Além da difícil partida, ainda deixamos nossas famílias com um sabor amargo na Páscoa de 2000.
A saída do Recife foi muito difícil. No almoço de despedida, o abraço apertado em cada tio(a), primo(a), sem falar nos meus pais, no meu irmão e na minha avó. Impossível conter a emoção do momento. Planejar uma viagem dessas é fácil. Executar, é outra coisa…
No aeroporto, acho que tinha alguém filmando a partida. E eu me escondendo da câmera com minha cara inchada. Foto então, nem pensar…
Na partida, minha avó me abraçou e me disse:
– Seja feliz, meu filho, mas acho que é a última vez que estamos nos vendo.
E foi. Vovó faleceu em setembro de 2001. Eu só viria ao Brasil pela primeira vem em dezembro daquele ano, tarde demais. Descobri desde o início o alto preço da distância.
Ela havia me dado um chaveiro com os dizeres: “Hoje vou fazer o meu dia mais feliz”. O chaveirinho se quebrou todo com o tempo, mas guardei o papelzinho que vinha dentro dele e até hoje ele está colado no monitor do nosso computador.
Comprar um voo só de ida é um negócio muito mais complicado do que parece. Além de todo o fator emocional, a vida antiga que fica pra trás, a ansiedade e a insegurança da vida nova que vem pela frente, os preços das passagens só de ida são muitas vezes mais altos do que as passagens de ida e volta. Isso mesmo!! Por esse motivo, mesmo fazendo a viagem só de ida, terminamos comprando também o bilhete de volta. Era mais barato fazer assim e ignorar a passagem da volta.
Ou, na cabeça confusa e insegura de um imigrante de primeira viagem, pelo menos a gente tinha como voltar pra casa se tudo desse errado no primeiro mês.
Nosso roteiro partia do Recife para São Paulo, de onde pegaríamos um voo da antiga Continental Airlines para Ottawa, com conexão em Newark, NJ. Newark é um dos aeroportos mais complicados por onde já passei. Pensei que era nervosismo de principiante, mas em março de 2014 retornamos a Newark voltando de uma viagem ao México e nos perdemos de novo…
Encurtando a conversa, naquele abril de 2000, perdemos nossa conexão. Nossos amigos Pedro e Helena, que haviam se colocado à disposição para ajudar na chegada estariam no aeroporto para nos receber. Pense na vergonha. A gente já ia chegando causando transtorno, eles já haviam alugado um apartamento em nosso nome, respondido pra lá de um milhão de perguntas e a gente ainda faz o pessoal sair de casa pra receber os retirantes que não chegariam. Não no voo combinado. Sem celular, sem tempo, resolvendo os problemas da conexão com o inglês pra lá de enferrujado, não ia ter como avisá-los a tempo.
Para nossa sorte, a rota Newark-Ottawa conta com vários voos diários. Conseguimos um lugarzinho num voo mais tarde. Por ironia do destino, a aeronave usada era um jatinho da Embraer. E, assim, pousamos em solo canadense num avião brasileiro.
Depois do estresse emocional, da noite mal dormida e dos problemas de conexão, finalmente aterrissamos em Ottawa na sexta-feira, 21 de abril. Um dia feio, nublado, sem sol, sem neve, sem folhas, sem graça. O cinza era mesmo o tom do dia. O jatinho parou longe do aeroporto. Tivemos que descer na pista e andar até o saguão. Já deu para ter uma noção do frio. Estávamos com 4 graus (positivos) e a gente se batia de frio.
Finalmente, chegamos ao balcão da imigração. Enquanto o povo carimbava a papelada e tomava conta da burocracia, eu inventei de puxar conversa com a agente de imigração.
– Que frio hoje, não é?
A mulher, que já tinha cara de poucos amigos e vindo de temperaturas baixíssimas não deveria estar achando ruim os 4 graus daquele dia. Deve ter pensando consigo: “coitado, esse não tem a menor ideia do que vai enfrentar”. E perguntou:
– De onde você vem? Não existe inverno por lá?
Realmente, nós não fazíamos a menor ideia do que seria o inverno. Mas ainda era primavera. Ainda teríamos muito tempo para nos prepararmos para o frio.
Finalmente chegamos à casa de Helena e Pedro. Eles nos mostraram o apartamento que tinham alugado pra gente. Providenciaram um colchão, papel higiênico, sabonete, o básico. E assim passamos a nossa primeira noite no Canadá. No dia seguinte, eles nos convidaram para tomar café com eles e nos levaram para fazer as primeiras compras. Mercado básico, pratos, talheres, etc.
Um mês depois da nossa chegada, rasguei o bilhete “de volta” que fomos obrigados a comprar. A gente não tinha a menor intenção de ir ao aeroporto naquele dia. Ainda não tínhamos emprego, estávamos aperfeiçoando o nosso inglês e nos localizando em relação a como as coisas funcionavam. Mas aquela passagem, a gente não iria usar…
A PRIMEIRA NOITE
Como vocês devem ter percebido, temos muita coisa para contar. Mas por enquanto vamos ficando por aqui ao som do grande Oswaldo Montenegro com “A Primeira Noite”, que ilustra bem o sentimento do imigrante de primeira viagem. Grande abraço!