E o Vento Levou…

Quando eu era menino, a gente tinha casa na praia. Finais de semana, férias escolares, feriados, a gente sempre ia pra lá. Eu adorava ir à praia de tardezinha, ver as cores do dia se transformarem em penumbra, e curtir aquele ventinho gostoso.

Ah, o vento…

Vento no Canadá é coisa séria.

Embora o país não esteja no centro da rota dos furacões, alguns deles atingem a costa leste canadense.

Ainda assim, a Grande Toronto frequentemente recebe o “rabo” dos furacões que passam pelos Estados Unidos. Embora o grosso da tempestade já tenha se dissipado, ainda assim, a cidade fica debaixo d’água.

Tornados também não são tão frequentes quanto nos Estados Unidos, mas acontecem. Quanto mais quente e úmido for o verão, maior a incidência de tornados.

Lembro um dia, ainda em Ottawa, quando passei por uma ventania medonha. Negócio de dar medo mesmo. Mas peguei o ônibus numa boa, cheguei em casa são e salvo e fui dormir. No outro dia, a manchete do principal jornal de Ottawa, o Ottawa Citizen: “It was a tornado!” Pensei que, pela manchete de primeira página, fosse um fenômeno raro. Nem tanto. A cidade de Vaughan, perto de onde moramos, sofreu com um tornado alguns anos atrás. O prejuízo foi enorme com várias casas perdendo seus telhados. Em alguns casos, o primeiro andar inteiro foi-se junto com o vento.

Thomas brincando na neve. Tá vendo aquela árvore quase caindo? Isso mesmo, foi o vento...
Thomas brincando na neve. Tá vendo aquela árvore quase caindo? Isso mesmo, foi o vento…

Pessoalmente, uma das nossas piores experiências com o vento até hoje aconteceu no estacionamento da Home Depot de Richmond Hill. Meus pais estavam visitando e ficaram com Louisa para que nós pudéssemos sair e resolver as coisas. Fomos à Home Depot comprar um tapete.

Na saída, enquanto eu carregava nas costas o tapete enrolado, Guida correu para o carro para abrir a mala. Já podíamos notar que o céu não era o mesmo de quando entramos na loja. Nuvens cinzentas e baixas carregavam o cenário e o vento começou a aprontar. Ainda com a mala do carro aberta, notamos que todos os carrinhos que estavam no abrigo destinado a eles estavam vindo em nossa direção, como se a cavalaria tivesse recebido a ordem para atacar. Um deles bateu na perna de Guida enquanto eu fechava a mala do carro para nos mandarmos dali. Nesse meio tempo, enquanto ela se protegia atrás do carro (que por milagre não foi acertado por nenhum carrinho), o vento levou o meu boné.

Pense na raiva! Inexperiente, decidi correr atrás do meu chapéu. Não havia possibilidade de eu deixar o vento tirá-lo de mim. Lá vou eu, driblando carros, carrinhos e outros objetos voando até que o boné parou num canto e eu consegui recuperá-lo.

De volta ao carro, Guida nem um pouco satisfeita com o meu abandono inconsequente, passava aquele olhar me fuzilando. Mas o medo e a vontade de sair dali eram maiores. Entramos no carro e começamos a dirigir pelo estacionamento. A essa altura, era um caos generalizado. Todo mundo correndo para dentro da loja ou para os seus carros. Conseguimos sair do meio da confusão e tentamos sair pela parte traseira do estacionamento, que estava mais tranquila. Porém, ainda assim, tivemos que ter muito cuidado pois os carrinhos “atravessavam” a rua na nossa frente, como um rebanho desgovernado. Quando eles vinham em nossa direção, eu acelerava. Quando eles passavam à nossa frente, tinha que diminuir a velocidade. Mas, no final das contas, conseguimos sair da zona de perigo sem um arranhão (nem no carro!). Só com a perna dolorida de Guida.

A força do vento também fez estragos na nossa casa. Assim que nos mudamos, em 2009, tivemos que enfrentar uma tempestade que veio de repente e deixou prejuízo. Nossa janela, que ao invés de correr num trilho para um lado e para outro, abre num ângulo através de uma manivela, estava aberta e quando o vento começou a soprar, quebrou-a como se fosse um graveto. A janela ficou pendurada e tome água entrando na casa!

Para piorar, um dos tubos de ventilação ficava bem embaixo da janela que quebrou, fazendo com que a água entrasse por lá e fosse parar no basement. Tive que cobrir a janela com uma toalha para evitar a enchurrada. Não havia mais nada a fazer a não ser esperar a chuva passar e o vento diminuir. Por sorte, o dano foi mínimo e, como a casa tinha sido recém-adquirida, a construtora não se negou a repor a janela. Mas não dá pra esquecer do susto, do aborrecimento, nem das fotos que tiramos naquela noite. Flagramos até um raio se formando.

Na primavera de 2015, nosso vizinho também sofreu com a ventania. Enquanto andava com Wall-e depois de uma tarde de ventania, notei que um pedaço da cerca não tinha aguentado a força do vento e veio ao chão. Não perdi tempo e tirei a foto abaixo:

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Cerca do nosso vizinho derrubada pela ventania

Mostrei-a a Guida assim que cheguei e ela perguntou o que tinha acontecido.

– Adivinha – disse, já sabendo que ela ia acertar.

– O vento levou…

ETERNAS ONDAS

Reza a lenda que Zé Ramalho escreveu a música “Eternas Ondas” para Roberto Carlos. A música, que fala da força da natureza e nos lembra que “se teu amigo vento não te procurar, é porque multidões ele foi arrastar”, terminou nunca sendo aproveitada pelo artista. Fagner terminou se interessando pela canção, que ficou famosa na sua voz. O vídeo abaixo é do próprio Zé, já que no seu estilo profético e apocalíptico, esse vento dá mais medo ainda.