04 de março de 2003. Estava eu finalmente me mudando de Ottawa para a Grande Toronto. Havia saído da Nortel em 2001. 2002 foi sem dúvida o ano mais difícil depois da nossa imigração. Seis meses sem emprego e mais seis meses trabalhando temporariamente no Brasil.
Voltei ao Canadá reenergizado. 2003 prometia ser o ano da virada definitiva. O mercado dava sinais de recuperação. Em menos de dois meses depois do meu retorno ao Brasil, já havia chamado por algumas empresas para ser entrevistado. Àquela altura, ficar em Ottawa era um objetivo secundário. Com nosso bebê batendo na porta, o importante era encontrar trabalho. Eu já estava mando currículos de Halifax até Vancouver. E terminou que a oportunidade surgiu em Richmond Hill, na Grande Toronto.
A entrevista foi tranquila, mas chegar lá não foi fácil. Em pleno mês de fevereiro, tive que percorrer os 464 km que separam Ottawa de Toronto. Ida e volta. Logo depois de uma tempestade de neve. Perdi as contas de quantos carros haviam sido abandonados por seus donos depois de pararem no acostamento. Muitos deles virados e capotados.
Mas tudo correu bem e assim que cheguei de volta a Ottawa, já havia uma ligação da gerente de recursos humanos dizendo que estava formulando uma proposta de emprego para me enviar.
Alívio completo!
Proposta aceita, o primeiro dia de trabalho ficou marcado para a segunda-feira, 03 de março de 2003. Mas esse também era o dia em que estaríamos saindo do hospital com a nossa recém-nascida.
Lá vou eu ligar para a empresa, explicar pra eles que não poderia começar na data inicialmente acordada e pedir para começar no dia seguinte, a terça-feira, 04 de março de 2003.
Saí do hospital, deixei todo mundo em casa (e o carro também, caso houvesse alguma emergência) e me mandei para o terminal de ônibus. O voo rasteiro da Greyhound saía por volta da meia-noite, parava em Peterborough e chegava no centro de Toronto às 5:30 da manhã.
De lá, deixei minhas coisas na casa dos amigos Henrique e Gardênia (que nos deram uma força enorme nesse período) e segui para finalmente me apresentar no trabalho.
Chego na empresa acabado de cansaço, sem dormir mas tentando manter o ânimo para o meu primeiro dia. E encontro uma grande festa.
Na cozinha, estavam o chefe financeiro da empresa, o diretor de serviços (ambos haviam me entrevistado anteriormente) e o contador da empresa com seus respectivos chapéus de chefs, fazendo panquecas para todo mundo.
E eu na minha, pensando: “que legal, ser recebido com um café da manhã assim”.
E passei o dia inteiro me achando. Como outras três pessoas haviam começado a trabalhar na empresa no dia anterior, fiquei pensando que era tudo em nossa homenagem. Esperaram por mim até a terça-feira para saudar os novos colegas.
Ah, coitado…
No fim do dia, uma colega chega para me dar as boas-vindas e me deseja:
– Happy Fat Tuesday!
Aquilo ficou na minha cabeça… Fat Tuesday, Fat Tuesday e por algum estranho motivo, traduzi para o francês Mardi Gras (o que me lembrou do carnaval de New Orleans) até que finalmente caí na real em português: terça-feira gorda! Esse era o motivo das panquecas!
Naquela época não tinha Facebook nem Instagram, pro pessoal no Brasil postar suas fotos na folia, lembrando aos auto-exilados o que eles estavam perdendo. Nem Orkut tinha ainda. Desconectado do Brasil devido à correria de bolsa estourada e de hospital e à desorientação depois da noite sem dormir dentro do ônibus, nem me lembrava que era carnaval.
Naquele ano, o encontro na cozinha da empresa seria o único bloco do qual eu faria parte. Os chapéus e aventais de chef, as únicas fantasias que eu veria. E ao invés da cerveja, o jeito foi se esbaldar na panqueca.
Por que terça-feira gorda?
Não se esqueçam que a tradição do carnaval está atrelada ao calendário cristão, mas especificamente ao início da quaresma (a quarta-feira de cinzas), o período no qual os cristãos fazem jejum ou passam por privações pessoais como penitência e preparação para a Páscoa. Faz sentido então, que no período que antecede a quaresma, as pessoas exagerassem na comida. Como a terça-feira era o último dia em que as pessoas podiam comer além da conta, nada mais justo que seja chamada de terça-feira gorda.
A tradição de comer panquecas na terça-feira gorda veio da Inglaterra e se espalhou pelos países da Comunidade Britânica (incluindo o Canadá).
Aliás, o próprio Rei Momo traz na sua gordura, um símbolo de pujança do passado. Obvio que hoje em dia, o politicamente correto vai cair em cima do estereótipo, mas em outras épocas, ser gordo não era para qualquer um.
A figura do rei Momo teve origem na mitologia grega. Vem de Momo, a personificação do sarcasmo e da ironia. Com o tempo, as festividades do carnaval foram se modificando, trazendo outras figuras satíricas e despojadas como os arlequins europeus. A evolução da festa continuou com a sofisticação dos bailes de máscaras de Veneza. E quando chegou ao Brasil, o carnaval virou uma festa generalizada.