Todo candidato à imigração ao Canadá vai passar pelo mesmo processo de pesar os prós e os contras da mudança. Como já discutimos, não é uma decisão “preto no branco”. Cada um vai dar pesos diferentes às vantagens e às adversidades. Uns decidirão ficar no país de origem, outros vão encarar a empreitada. Desses, uns voltarão e outros decidirão que é melhor ir ficando por aqui. Mas, a grande maioria vai escolher um grande vilão: o frio.
Eu também estava nesse grupo. Não que eu goste do calor escaldante, muito pelo contrário. Mas a mudança para o frio canadense é difícil de encarar. No entanto, depois desses anos todos aqui, descobri que existe um outro vilão que me incomoda muito mais do que o frio: a escuridão.
Novembro, um mês frio, com dias curtos, noites longas, árvores sem folhas, ainda sem neve, paisagem cinzenta, tempo geralmente nublado, muita chuva e muita neblina, ganha com sobras o troféu de mês mais chato do ano. Dezembro segue mais ou menos a mesma linha, mas a neve faz a criançada se animar e a proximidade do Natal e das festas de fim de ano faz que com que o humor geral melhore um pouco.
Hoje, 22 de dezembro chegamos ao solstício de inverno de 2015, o dia mais curto do ano. Para nós na Grande Toronto, o sol nasce às 7:51 da manhã e se põe às 4:41 da tarde. São menos de 9 horas de luz solar (quando o sol aparece) e mais de 15 horas de escuridão. Considerando que a maioria da classe trabalhadora sai de casa antes das 8:00 da manhã e só volta pra casa depois das 5:00 da tarde, você pode imaginar que essas pessoas saem de casa no escuro e voltam pra casa no escuro. Como não temos as tradicionais duas horas de almoço como no Brasil, as pessoas muitas vezes acabam almoçando no local de trabalho. Ou sejam: passam a semana inteira sem se expor à luz solar.
Mas, se você está ficando com pena da gente aqui, imagine quem vive mais ao norte. As comunidades do extremo norte do planeta passam semanas no escuro. No povoado de Inuvik, no círculo ártico, 30 dias sem ver a luz do sol.
Como era de se esperar, a comunidade celebra a chegada do sol com uma fogueira enorme e fogos de artifício no Inuvik Sunrise Festival. Se alguém um dia tiver coragem de ir lá, me conte como foi. Eu mesmo, tô fora!
Os povos nativos também estão entre os que mais cometem suicídio (aliás, todos os índices de qualidade de vida são piores entre os povos indígenas canadenses; falaremos mais sobre isso num post futuro).
Porém, ao contrário da crença popular, de acordo com a Canadian Mental Health Association, os suicídios não acontecem com mais frequência na parte mais escura do ano. Estudos recentes sugerem que a proximidade da família e o clima de confraternização nessa época do ano fazem com que as pessoas pensem duas vezes antes de acabar com a própria vida.
Mas não se deve menosprezar o fator escuridão na saúde das pessoas. Números do Mood Disorders Association of Ontario e do Toronto Distress Centre mostram que novembro e dezembro (os meses com menor incidência de luz solar) são também os meses em que os casos de depressão aumentam não só em número, mas em intensidade.
Surpreendentemente, o fim do verão é a época do ano na qual a taxa de suicídio atinge o seu pico. Estudos mostram que, por ser uma época de mudanças, principalmente com o início do ano escolar em setembro, muitas pessoas sentem a pressão e se desesperam.
Uma das coisas que mais me incomoda nessa época do ano é acordar no escuro. ARGH!! Adoro dormir!! Não tem coisa pior do que estar na parte mais gostosa do sono, totalmente entregue às loucuras dos sonhos e de repente… toca o alarme! 7 horas da matina e tudo na maior escuridão. E você tem que convencer o seu corpo que está na hora de acordar. Tirar os meninos da cama é outra tarefa que não é fácil.
– Mas está escuro ainda, Papai…
– Eu sei, mas está na hora de acordar, senão vamos perder a hora do ônibus…
Com a escuridão do outono e o frio do inverno, nossas energias vão sendo sugadas dia a dia. Tomamos sempre gotinhas de vitamina D e complemento de Omega 3 para compensar a falta de exposição à luz do sol.
Os casos menos severos são normalmente chamados de winter blues ou winter fatigue, ou seja, o cansaço do inverno. Casos mais severos se transformam num tipo de depressão sazonal chamado SAD (seasonal affective disorder).
O mais difícil é que essa preguiça generalizada funciona com uma espiral. Quanto mais preguiçoso você for ficando, menos exercício você faz, mais peso você ganha e mais preguiça você tem! Sair desse ciclo vicioso demanda muita concentração e esforço mental. Vejam algumas dicas de como combater esse mau humor de inverno aqui e aqui.
Enfim, se você estiver visitando o Canadá, principalmente no meio do inverno (lá pro fim de janeiro, começo de fevereiro) e notar que o povo está mais mal humorado de uma maneira geral, não é impressão sua. Mas não se preocupe. Muito provavelmente a expressão carrancuda das pessoas não vai se transformar em nenhum tipo de ameaça ao visitante.
Num país onde o número de suicídios é 7 vezes maior do que o número de homicídios (!), às vezes temos que ter mais medo de nós mesmos do que dos outros.