Há muito tempo que a gente se pergunta quando finalmente poderemos votar pela internet. Pois bem: Eu acabei de votar. Isso mesmo.
Não, não, não foi na eleição presidencial brasileira. Como vocês sabem, no Brasil, o voto não só é um direito do cidadão, mas um dever. Sem estar em dia com a justiça eleitoral brasileira, a vida de quem mora no exterior sempre fica mais complicada na hora de renovar o passaporte. Sendo assim, sempre me mando pro centro de Toronto, enfrento as famosas filas brasileiras e voto nas eleições usando as tão criticadas urnas eletrônicas.
Mas entre um turno e outro das eleições brasileiras, tivemos também eleições para prefeitos na província de Ontario. Como a apuração fica a cargo dos municípios, alguns deles começaram um projeto-piloto com o voto online. Aurora, onde moramos, foi uma dessas cidades.
O processo foi bastante simples.
No Canadá, ao invés do título eleitoral, o eleitor se registra numa lista para votar. O governo não força o cidadão a entrar nesta lista, já que o voto é facultativo. Ao se registrar na lista do governo, o eleitor recebe pelo correio um cartão de votação com informações sobre a sua seção de votação. (os eleitores que não estão na lista do governo também podem votar, mas isso é uma conversa pra outro dia).
Com a opção do voto através da grande rede, o cartão de votação agora inclui um código para votação online. Com esse código, pode-se requisitar uma senha que será utilizada para a votação. Esse processo em duas fases também conta com aquelas telinhas “anti-robôs” em que o usuário tem que digitar uma sequência de letras e números para provar que não é um hacker automatizado requerendo a senha.
Com a senha em mãos, o eleitor pode então seguir para o site da votação onde, além da senha recém adquirida, tem que entrar dados pessoais e o número do registro no cartão de votação.
A partir daí, é só navegar entre as telas de votação e selecionar os seus candidatos. A tela com o voto para prefeito mostra a lista com os candidatos e um checkbox ao lado de cada um. É só selecionar o candidato de sua preferência e passar para a próxima tela. Se você não selecionar nenhum candidato, será alertado que está votando em branco. Não sei como o eleitor faria para anular o voto já que o sistema não permite marcar dois candidatos ao mesmo tempo.
Além do prefeito, estávamos votando para vereadores e representantes dos conselhos de educação. Como Aurora iria eleger apenas 6 vereadores depois de um referendo onde a população decidiu pela redução do número de vagas, o eleitor também pode escolher seis nomes da lista de candidatos a vereador. O sistema avisa quando os seis foram escolhidos e você terá que desmarcar uma das opções pré-selecionadas para escolher um outro nome fora da lista inicial.
Depois de escolher todos os seus candidatos, o sistema avisa que a sua votação está encerrada. Tudo muito tranquilo.
Então vamos aos prós e contras:
Pelo lado positivo, não se pode comparar a comodidade da votação online. Você faz tudo do conforto da sua casa, na hora que quiser. Vale frisar que o Canadá tem um período de votação antecipada durante o qual o eleitor pode comparecer ao local determinado (normalmente diferente da sua seção eleitoral) e deixar o seu voto. A eleição online também foi nesse sistema de votação antecipada, ficando a sua janela aberta por 10 dias até a véspera do dia final da votação.
Isso para mim já fez uma grande diferença. Vale lembrar também que a votação no Canadá acontece durante um dia de semana e as pessoas que não se beneficiaram da votação antecipada têm que sair do trabalho para votar. Então a votação online trouxe muita comodidade para o eleitor.
Imagino também que ajude muito na apuração rápida dos votos.
Pelo lado negativo, fiquei pensando principalmente na privacidade do eleitor e se aquela máxima de que o voto é secreto ainda vai valer com o voto online.
Fiquei pensando em famílias de várias culturas que não se baseiam tanto na confiança mútua entre as pessoas como a cultura canadense.
Fiquei pensando em famílias que podem se dominadas por uma figura autoritária que pode forçar outros parentes a votar de uma forma pré-determinada ou até mesmo “se encarregar” de votar por toda a família.
Fiquei pensando ainda em eleitores idosos que podem pedir ajuda a amigos ou parentes e serem enganados na hora da votação, fazendo valer a vontade de quem está usando o teclado e o mouse na intenção de “ajudar” o eleitor.
E fiquei pensando ainda no famoso voto de cabresto, tão comum nos sertões brasileiros. Mesmo aceitando qualquer ajuda ou benefício, o eleitor tinha sempre a prerrogativa de ignorar as solicitações de terceiros e expressar a sua vontade na cabine de votação.
O anonimato da urna eleitoral protegia o eleitor dessas ameaças. O voto online não.
Enfim, pontos positivos e negativos que teriam que ser analisados para eleições em escalas maiores e em países com culturas diferentes.
Para finalizar, a minha maior surpresa:
Uma das maiores mudanças que eu pensava que o voto online traria seria um menor índice de abstenção. Pensei que uma parcela maior da população se interessaria em votar. Em Aurora, apenas 32,1% do eleitorado o fizeram. O número é ainda mais baixo do que o comparecimento na eleição municipal de 2014, onde o eleitor ainda tinha que votar pessoalmente: 35.7%.
Uma pena. Talvez a eleição para prefeito de Aurora não seja a que mais anima o cidadão a registrar o seu voto. Mas ainda assim é surreal que um prefeito de uma cidade de 60 mil habitantes seja eleito tendo recebido apenas 4781 votos.