Ajustem o seu despertador e preparem os cotovelos que vem aí o maior dia de compras do varejo norte-americano. Isso mesmo, a Black Friday está chegando com a sua tradição de descontos de cair o queixo. Aliás, se o seu queixo não cair com os descontos, pode ser quebrado ao ser acertado por outro comprador tentando pegar a mesma mercadoria que você ao mesmo tempo.
A tradição da tal sexta-feira começou nos Estados Unidos no feriado do Thanksgiving. O feriado de ação de graças movimenta o maior fluxo de viajantes durante todo o ano. Bate inclusive o Natal. Passar o feriado de ação de graças com a família é a prioridade absoluta dos americanos. Convenientemente, ele cai na quarta quinta-feira do mês de novembro, fazendo que os milhões que se deslocaram para visitar a família tenham uma folguinha na sexta-feira depois do Thanksgiving, provavelmente o único “imprensado” do calendário americano. Com o tempo, a maioria dos empregadores passou a dar esse dia de folga para os seus funcionários, meio que oficializando o feriado.
Tudo casa direitinho para a sexta-feira ser um dia de compras. As pessoas já viajaram para junto da família, já se encheram de peru e outras guloseimas e têm a sexta-feira livre para passear. Além do mais, não há mais feriados ou datas comemorativas significantes entre o Thanksgiving e o Natal. Então, nada mais natural do que começar as comprinhas natalinas imediatamente.
Ligadas nisso, as lojas começaram a promover descontos para atrair mais e mais clientes. E não é pra menos. Tradicionalmente, o varejo americano opera no vermelho até a época das compras natalinas. Só que em inglês (ao contrário do português), quando uma empresa sai do vermelho (“in the red”), não se diz que ela entrou “no azul”, mas no preto (“in the black”). Como o comércio passou mais e mais a zerar os seus prejuízos do ano todo com as promoções da sexta-feira depois do Thanksgiving (e como ela não tinha nenhum nome a não ser “a sexta-feira depois do Thanksgiving”), recebeu o nome de Black Friday.
Por aqui, nunca ouvia falar de Black Friday na época em que nos mudamos para o Canadá. Naquele tempo, o dólar americano valia cerca de 1.45 dólar canadense. Ou seja, o dólar canadense era muito desvalorizado para as pessoas se interessarem por descontos em dólar americano. Sempre tinha aquele povo que ia para a terra do Tio Sam se acotovelar por um sapato novo, mas não fazia tanta diferença para os revendedores canadenses.
Tudo isso mudou há mais ou menos uma década quando o dólar canadense atingiu a paridade com o dólar americano. De repente, o canadense não precisava mais adicionar 45% de taxa de câmbio aos descontos e a tentação passou a ser tão grande, que todo mundo passou a fazer fila na fronteira para fazer compras nos centros de compras americanos.
Para complicar ainda mais as coisas, o canadense passou a ter mais e mais a oportunidade de fazer as suas compras pela internet diretamente dos sites americanos e mesmo com a taxa de importação, os descontos mais do que compensavam.
Aí sim, o comércio canadense começou a sofrer. E a reação foi imediata. As promoções da Black Friday haviam finalmente atravessado a fronteira. O caminho era sem volta.
Ano passado, fiz todas as minhas compras de Natal online na Black Friday. Não coloquei o pé em uma loja. E estava pronto para curtir o período natalino sem estresse.
A internet também tem ajudado a diminuir o lado feio da Black Friday: as brigas. Quando eu falei no primeiro parágrafo para preparar os seus cotovelos e ter cuidado para não levar um sopapo no queixo, eu não estava exagerando. As brigas durante a Black Friday passaram a ser um problema nos Estados Unidos. A confusão começa já para entrar na loja, com gente acampando desde a madrugada (por isso também a referência ao despertador no primeiro parágrafo). Quando as portas das lojas abrem, começa o empurra-empurra. Gente sufocada, pisoteada, um inferno. Os que conseguem entrar nas lojas vão às tapas na disputa pelas mercadorias.
Vale tudo: roubar caixa de criancinha, usar spray de pimenta e até taser! Saquem só:
(AVISO: porrada vai rolar solta)
Aliás, outra teoria para o nome Black Friday é baseada na quantidade de hematomas dos clientes das lojas. Lembrem-se que “olho roxo” é outra expressão com cor que não se traduz literalmente do inglês para o português (“black eye”).
Felizmente, a tendência das compras online vem acabando com esses dois problemas. Eu, como detesto confusão e provavelmente detesto mais ainda acordar cedo, fico de boa em casa esperando as promoções entrarem em vigor, e faço as minhas compras na tranquilidade do lar. A briga pelas mercadorias continua, mas não no corpo a corpo. O pior que pode acontecer é você receber uma mensagem de que existem 0 itens no estoque. Bem melhor do que um nariz quebrado. E também posso fazer as compras de pijama e chinelo, ao invés de competir com uma multidão no frio de novembro.
Viva a internet!
Mas pelo menos a fama de cordialidade canadense faz com que mesmo os que vão às lojas enfrentem bem menos confusões e esperem pacientemente em filas organizadas.
Vejam só a diferença para o vídeo anterior:
O maior risco de brigas na Black Friday canadense é se duas pessoas pegarem o mesmo artigo e fizerem questão que o outro fique com a mercadoria:
– Oh, desculpe senhora, pode ficar, a senhora pegou primeiro.
– Não meu senhor, o senhor tem todo o direito de levar esse artigo pra casa.
– Eu insisto, minha senhora, é todo seu!
– De jeito algum, é seu. Não seria justo!
É mais fácil a loja fechar e nenhum dos dois ficar com o produto…
Agora, uma coisa que não entendi até hoje é porque a Black Friday está virando cada vez mais uma tradição no Brasil. Duvido que a competição de websites americanos afete as vendas natalinas no Brasil. E se for pra pegar as promoções que eu vejo nas redes sociais (tipo “compre pela metade do dobro do preço”), é que eu não entendo mesmo.
Como explicamos, nem a cor faz sentido em português! Se levarmos em consideração a teoria das empresas saindo do vermelho, seria Sexta-Feira Azul. Se levarmos em conta a teoria dos hematomas, seria Sexta-Feira Roxa. Alguém me explica aí, por favor!