Invasão Aérea

A partir de novembro, nossos ouvidos se acostumam ao silêncio das ruas. Com os dias curtos e frios, pouquíssimas pessoas saem na rua para passear.

Os animais já estão hibernando, só esperando a primavera. E os pássaros já estão treinando para o seu voo migratório há meses. De repente, não resta mais nenhum deles. Nem notamos que eles se foram.

Até que você sai para andar com o seu cachorro tarde da noite e encontra um silêncio absoluto. As ruas desertas do inverno nos permitem até ouvir o barulho de uma folha voando do outro lado da rua e batendo na calçada.

Nesse silêncio, o canto dos pássaros, uma coisa tão mundana, faz uma falta danada.

Se você está acostumado a acordar com o canto dos passarinhos ou até xinga a mira perfeita dos pombos bombardeando a sua cabeça, imagine passar pelo menos quatro meses sem eles.

Nenhum pássaro!

É sério!

De repente, em meados de fevereiro, começamos a notar algo diferente nas nossas caminhadas: piados de passarinhos! Eles estão de volta! Pelo menos alguns deles. Os mais corajosos. Nos meses seguintes, mais e mais pássaros de todas as espécies estarão voltando ao já não tão gelado Canadá.

Voltam de várias regiões das Américas, desde a América do Norte até a América do Sul. Alguns deles são espertos o suficiente para passar o inverno canadense na paradisíaca ilha de Fernando de Noronha, onde tive a felicidade de passar minha lua-de-mel.

PassarinhoPneuE voltam com tudo!Já vi até passarinho descansando no pneu de uma caminhonete estacionada junto de mim.

O ciclo da vida se renova toda primavera, época de reprodução. Então, a primeira missão é procurar o lugar ideal para fazer o novo ninho. Obviamente, nossos quintais já foram invadidos por vários casais de pássaros prontos para trazer ao mundo a nova geração migratória.

Já tivemos ninhos até dentro dos tubos de ventilação da casa. Os passarinhos arrancaram as barrinhas de proteção dos dutos, enchendo-os de entulhos. Deu o maior trabalho pra limpar. Sem falar que um deles ficou preso dentro da tubulação. A gente só ouvia um barulho por dentro das paredes da casa, sem ter a mínima ideia do que poderia ser. Até que conseguimos seguir o barulho até o basement da casa e abrir um escotinha pra o passarinho sair voando. Ele planou por dentro da casa por um tempinho até que finalmente achou a janela e se mandou.

Já houve também o caso de um dos passarinhos não conseguir voar e ser abandonado pelo resto da ninhada. A mãe, que depois de abandonar o ninho se mudou para uma árvore um pouco mais afastada, ficava piando de longe, chamando a cria, mas sem coragem de se aproximar de nós. Passamos alguns dias com ele numa caixa de papelão aberta pra ver se ele voava e nada… À noite, colocávamos o pequeno passarinho numa caixa de sapatos pra ele passar a noite dentro de casa, protegido. Conseguimos então alimentá-lo até que ele ficasse forte o suficiente para seguir a sua família na jornada da vida. Louisa, que na época era bem pequena, adorou ter ajudado o pobrezinho a literalmente ganhar asas e voar.

Passamos anos e anos sem ter um ninho no quintal até que nessa úlitma primavera, um casal se aventurou a construir o seu ninho perto da gente de novo. Apesar dos protestos dos pais, consegui me aproximar do ninho e flagrar os pequenos passarinhos nos seus primeiros dias de vida:

Passarinhos recém-nascidos no nosso quintal
Passarinhos recém-nascidos no nosso quintal
Foto: Ministério dos Transportes de Quebec
Foto: Ministério dos Transportes de Quebec

Alguns pássaros ficam para trás e encaram o inverno. Mas são poucos, muitos poucos. Um deles, uma coruja, decidiu dar um oi a uma câmera que monitorava o trânsito em Montreal. Viralizou na rede. E foi destaque em vários noticiários!

Mas voltando às aves migratórias, não existe pássaro mais ameaçador do que o temível ganso canadense. Não tenho coragem de encará-los de frente, mas mesmo de costas, parecem que estão nos observando o tempo todo:

Gansos1
Ganso canadense protegendo a sua ninhada
Estacionamento do meu trabalho invadido pelos gansos - Junho/2011
Estacionamento do meu trabalho invadido pelos gansos – Junho/2011

O ganso canadense é uma das maiores aves migratórias do Canadá, exímio reprodutor, protetor da sua ninhada, podendo tornar-se agressivo ao se sentir ameaçado. Protegido da caça, vê a sua população explodir. Eles derrubam aviões (como o famoso caso do voo da US Airways que pousou no rio Hudson em Nova York), atrapalham o trânsito e enchem os parques e calçadas de cocô.

Gansos canadenses ensaiando o seu voo em V - Agosto/2004
Gansos canadenses ensaiando o seu voo em V – Agosto/2004

Percorrem longas distâncias usando a interessante estratégia de voar usando uma formação em “V”. Assim, o pássaro que vai na frente lidera o grupo até cansar. Quando isso acontece, vai para o fim do “V”, onde a resistência do vento é menor e outro membro do grupo assume a posição. Enquanto um deles se “sacrifica”, os outros continuam gritando durante o voo, incentivando o líder da vez.

 

No Canadá, por serem um símbolo nacional (e pelo fato de os GeeseSign1canadenses serem tão bonzinhos), os gansos são muito respeitados. Mesmo quando se jogam na frente dos carros, o trânsito para até que o último filhote tenha chegado à calçada. Em áreas de grande concentração dos gansos (como lagoas e parques), até placas são colocadas para alertar o motorista sobre o risco de atropelar uma ninhada.

O único animal que eu já vi encarando um ganso canadense foi um cisne branco. Estávamos passeando pelo belíssimo High Park em Toronto quando estava tentando bater umas fotos de um casal de cisnes que nadava pelo lago. De repente, um deles partiu para cima dos gansos. Como já estava mirando com a minha máquina, consegui tirar a foto abaixo:

Cisne branco partindo para cima dos gansos
Cisne branco partindo para cima dos gansos

Pensando sempre em aproveitar ao máximo o calor do verão, é comum fazermos caminhadas na hora do almoço com os colegas. Mas quando os gansos estão na área, tenha muito cuidado pra não pisar no cocô deles nem cheguar muito perto da ninhada.

Certa vez, estava chegando com um grupo na porta de um restaurante e um deles estava bloqueando a calçada. Uma das nossas colegas não se apercebeu e continou caminhando em direção ao bicho. Quanto mais ela se aproximava, mais ele fazia barulho e batia as asas, em tom bastante ameaçador. Chamei a atenção dela e alertei para o perigo. Ela se tocou e saiu da rota de colisão com o ganso. Num instante ele parou de fazer barulho e baixou as asas.

Se chegar perto dos adultos já é um ato pra lá de perigoso, uma coisa é certa: nem chegue perto da filhotes. A bicada vai ser numa área bem desagradável.

Especialmente para os homens…

Snowbirds

A estratégia dos pássaros de migrar temporariamente para longe do Canadá é tão bem sucedida que passou a ser copiada pelas pessoas. Principalmente pelos aposentados, que já não precisam encarar o frio quando poderiam estar curtindo uma praia na Flórida, ou passeando num canyon no Arizona.

E é isso que muitos fazem. Compram casas nos estados americanos que são menos afetados pelo inverno e se mandam junto com os pássaros para fugir do inverno. Não por acaso, os membros desse grupo migratório da terceira idade são chamados de snowbirds.

Noronha

Voltando a Fernando de Noronha, as aves da ilha sofrem com a infeliz ideia de introduzir o lagarto teju à fauna local. A ideia era controlar uma praga de ratos, fazendo com que os lagartos os caçassem. As brilhantes mentes que montaram esse plano esqueceram-se de um pequeno detalhe: Os tejus têm hábitos diúrnos. Os ratos, noturnos. Sendo assim, eles não se encontram nunca! Sobrou pra quem? Os pobres dos passarinhos que não tinham nada a ver com a história! Passaram a ver seus ninhos saqueados pelos lagartos esfomeados. Fico só imaginando que animal vai ser introduzido para conter a praga que virou o teju…

 

 

Deixe o seu comentário