O governo canadense tem um conceito bem interessante sobre o processo de imigração: a emissão do visto não é considerado o último passo do processo. É o penúltimo.
O último é por conta do imigrante. É chegar aqui, aprender ou aperfeiçoar a língua, conseguir emprego, estabilizar-se financeiramente e começar a construir a vida nova. Existem serviços do governo para ajudar na adaptação ao país, mas isso podemos deixar para um outro post. A principal ajuda vem daquelas pessoas que te recebem e acolhem na chegada. E nesse ponto, fomos agraciados além da conta.
E é disso que quero falar nesse post especial que comemora um ano de blog.
Como falei no post inaugural do blog, nossa chegada foi relativamente tumultuada com a dificuldade da despedida e problemas de conexão no voo. Mas chegamos em Ottawa e já fomos para o nosso cantinho. Tínhamos até um colchão e papel higiênico. Graças aos amigos mais importantes nessa fase de transição: Pedro e Helena.
No dia seguinte à nossa chegada, foi na casa deles que tomamos café da manhã. De lá, fomos fazer o nosso primeiro mercado em terras canadenses. Helena nos deu todas as dicas do que comprar. Até pra pedir à moça do caixa pra embalar o leite com duas sacolinhas plásticas (double bag) porque as sacolas do mercado nem sempre aguentavam o peso.
Como chegamos no final de semana da Páscoa, ainda nos arrastaram para a casa dos amigos deles.
Na semana seguinte, fomos com eles tomar todas as providências burocráticas para começar a nossa vida no país. Tirar cartão de saúde, social insurance number (algo como o CPF do Brasil), abrir conta em banco, conhecer o centro de imigrantes, fazer matrícula na escola de inglês, comprar passe de ônibus. Fizeram isso com a gente, quase sempre de ônibus ou a pé. Foi bom porque, como não tínhamos carro, pelo menos fomos conhecendo um pouco a Transitway, o sistema expresso de ônibus de Ottawa.
Como se a ajuda de Pedro e Helena não bastasse, ainda tínhamos umas 7 ou 8 famílias de brasileiros morando no mesmo prédio. Foi na casa de Lique e Flávia (que faziam festas como ninguém) que conhecemos a maioria deles. Edsonzinho e Hilda, Renato e Adriana, Márcio e Janete, Jauvane e Carla, Pertétua e Pierre, Adriana e Don, Emanuel e Flavia e a figuraça do Wagner.
Eita época boa!!
Renato e Adriana eram pau pra toda obra. Sempre nos ajudaram, desde o início. Se precisávamos de ajuda pra carregar um móvel mais pesado, chamávamos eles. Até colchão compramos juntos na mesma loja, no mesmo dia. E como morávamos no mesmo prédio, ainda rachamos a taxa de entrega pra economizar uns trocados. Sem falar nas tradicionais caminhadas até o Dow’s Lake e as noitadas na região do Market de Ottawa. Íamos de ônibus então nunca precisávamos nos preocupar com bebida e direção.
Além das várias farras que fizemos no apartamento deles, Lique e Flavia também nos acolheram no primeiro Natal no Canadá. Lembro como se fosse hoje. Fizemos um divertidíssimo amigo (ou foi inimigo) secreto. Na volta pra casa, pegamos uma forte nevasca na highway 417. A estrada estava semi-deserta e eu, com o primeiro carro recém-comprado, sem experiência em dirigir na neve (e sem os pneus apropriados para tal), dirigia bem devagar. Nem coragem para mudar de faixa eu tinha, patinando mais do que tudo na pista, rezando pra chegar logo em casa, o que finalmente aconteceu sem atropelos, para o nosso alívio.
Jauvane se dispôs a ir comigo quando fui comprar o nosso primeiro computador. Fomos de ônibus. A loja era do outro lado da cidade. Nunca tinha ido tão longe na Transitway. E voltamos carregando as caixas (computador, teclado, monitor, caixas de som, etc). Ainda bem que o ônibus não estava cheio. E com Carla, aprendemos sobre os sucos Rubicon, com sabores de frutas exóticas (manga, graviola, maracujá, goiaba), que compramos até hoje.
Com Edsonzinho, eu dividia a angústia da espera por um emprego. Estávamos no mesmo barco. Enquanto os outros já haviam conseguido os seus empregos por já ter mais tempo no país, eu e Edsonzinho ainda procuramos nosso primeiro emprego por meses até conseguirmos.
Por uma ironia do destino, hoje somos colegas trabalhando para a mesma empresa, embora em cidades diferentes. Por conta disso, tive o prazer de reencontrá-lo no ano passado quando fui à sede da empresa. Também pudemos fazer o reencontro das famílias esse ano, contando com a presença ilustre de Pedro e Helena. Foi muito bom rever todo mundo depois de tanto tempo e relembrar os maravilhosos anos que passamos juntos em Ottawa.
Os canadenses Pierre e Don, casados na época com as brasileiras Perpétua (com sua animação inesgotável de explorar a noite ottawense, principalmente se houvesse algum evento que envolvesse a cultura brasileira) e Adriana respectivamente, tiveram papel fundamental na nossa adaptação, explicando a vida no Canadá do ponto de vista do cidadão nativo, não do imigrante. Ajudaram inclusive com dicas importantíssimas sobre como procurar emprego, escrever currículos, se comportar no ambiente de trabalho e até como declarar imposto de renda.
E os barões? Ah, os barões! Desde que nos conhecemos, Emanuel me chamava de “Barão”, uma gíria cearense. Wagner, cunhado dele na época, passou a fazer a mesma coisa. Eu então passei a chamar os dois de “Barão”, que com o tempo passaram também a se referir um ao outro de Barão. A conversa entre os “barões” era confusa. Eu chegava na casa de Emanuel e perguntava pelo Wagner:
– E aí, Barão? Cadê o Barão?
– Sei não Barão. Vou ligar pro Barão.
– Alô? Barão? Cadê tu? O Barão tá aqui perguntando pelo Barão!
– Avisa ao Barão que eu tô chegando, Barão!
Pense na confusão! E isso era antes da gente tomar, como eles diziam, umas “4 ou 7”…
Com Wagner, tentei me encontrar na California em 2012, mas não conseguimos. Com Emanuel, tive o prazer de me encontrar no ano passado para finalmente colocarmos a conversa em dia.
Foram esses amigos (e amigos desses amigos, cujos nomes não conseguiria citar aqui) que nos fizeram com que nos sentíssemos em casa. Foram eles que estavam ao nosso lado na primeira Páscoa, em dias especiais como o Canada Day e o Thanksgiving, no primeiro Natal que passamos fora do Brasil. Foram eles que nos mostraram as tulipas da nossa primeira primavera, as praias do nosso primeiro verão, as folhas do nosso primeiro outono e o absurdo de tanta neve que tivemos no nosso primeiro inverno.
Sem eles, nossa adaptação teria sido muito mais difícil, quem sabe até impossível. Mas, graças a eles, aqui estamos nós. A eles, a nossa eterna gratidão.
E assim lá se vão 16 anos de Canadá. E um ano de blog! 🙂
Caramba, 16 anos! Como diria nossa ex-empregada Zefinha: “o tempo avoa”!