Vida de imigrante não é mole…
Depois de ponderar todos os prós e contras, de dar adeus à terrinha, de se adaptar à nova vida, o imigrante vai chegar à seguinte conclusão: morar fora dá um trabalho enorme!
A comodidade dos serviços prestados no Brasil faz com que o imigrante tome um susto. É um choque muito grande ter que fazer muita coisa com a qual você não está acostumado.
Lembro de quando entrava com meu carro num posto de gasolina no Brasil. Era um batalhão de frentistas acenando com suas flanelas pra você ir em direção à bomba dele. Finalmente, escolhia uma bomba pra parar e o cara vem feliz da vida:
– Bom dia, doutor. É pra encher o tanque? Quer que cheque o óleo? Vai calibrar os pneus? Quer um cafezinho, uma água?
Que diferença…
Aqui, os postos de gasolina operam, quase na sua totalidade, no esquema de “self-service”. Ou seja, saia do carro, encha o tanque, limpe o para-brisas, calibre os pneus e depois passe o seu cartão de crédito na bomba para efetuar o pagamento. Ou, se preferir, pode ir lá na lojinha do posto, pagar diretamente ao funcionário que só monitora o movimento do posto e assiste enquanto os clientes “trabalham”. E no inverno então é que é uma beleza. Chão escorregadio, frio de doer, vento e neve batendo no rosto, e lá vai o cliente tirar a luva e congelar as mãos para encher o tanque.
Lembro que no início, sempre procurava um posto “full-service” (relativamente difícil de achar). Preferia pagar mais caro pelo serviço que não estava acostumado a fazer. Pelo menos meus filhos não vão passar por isso. Thomas, mesmo antes de completar 4 anos, já fazia questão de sair do carro e me ajudar a encher o tanque. Mesmo no inverno!
Além dos recém-chegados e dos comodistas, os postos “full-service” (com frentistas) têm um papel social importante, especialmente para a população idosa e para pessoas com dificuldade de locomoção.
Na verdade, eu sempre achei que Ontario tinha uma lei que obrigava os municípios a oferecer um número mínimo de postos “full-service” para atender a essa parcela da população, mas fiz uma pesquisa enquanto escrevia este post e não achei nada. O que achei foram artigos que falam que esses postos estão sumindo e as pessoas que realmente precisam do serviço estão tendo que se adaptar à nova realidade. Em compensação, descobri que o estado americano do Oregon obriga todos os seus postos a ter frentistas!
Mas não é só na hora de encher o tanque que a gente pega no pesado. Os serviços domésticos são infindáveis. Sei que não é mais a realidade de muita gente, mas conhecia muitas pessoas que tinham arrumadeira, passadeira, cozinheira, lavadeira, diarista, babá, motorista, folguista… Com as novas leis trabalhistas no Brasil, imagino que a classe média esteja começando a depender menos desses serviços, mas muita gente ainda precisa contar com a ajuda de pelo menos algumas das categorias citadas acima.
E quando a casa precisa de alguma reforma? Ou serviço de manutenção? Chama pintor, eletricista, encanador, marceneiro… Pra que gastar tempo pegando em pincel, martelo, serrote, chave-de-fenda pra consertar essas coisas… tem tanta gente que faz…
A vida no Canadá não tem nada disso. Nem isso nem muitos outros “luxos” da classe média brasileira. E até tem. Mas quando você souber do preço, só vai querer contratar uma pessoa se não tiver jeito mesmo…
A sociedade brasileira sempre teve mão-de-obra abundante e barata. Isso fez com que as classes mais abastadas se acostumassem a não colocar a mão na massa. Não havia necessidade.
A rotina no Canadá é dura. Com a mão-de-obra cara e sem apoio nenhum da família, é dura e dói no bolso. Com isso, a classe média canadense coloca a mão na massa e traz para si o máximo das tarefas domésticas que a família consiga aguentar. Uma vez, chamamos uma moça pra fazer uma faxina e perguntamos quanto custaria:
– 100 dolar – foi a resposta.
– E em quanto tempo a senhora limpa a casa? – continuamos com a entrevista.
– Ah, umas 3 horinhas tá pronto.
Cem dólares canadenses por 3 horas de faxina? $33.33 por hora? Desistimos. Terminando achando outra mais em conta, que vinha esporadicamente nos livrar do caos, mas nem isso tem funcionado recentemente.
Sem ajuda, o jeito é encarar a luta diária…
A rotina da cozinha é enlouquecedora. Chega do mercado, guarda tudo, prepara comida, lava os pratos (mesmo com a ajuda da lava-louças é um saco), guarda os pratos, limpa tudo. Quando termina uma refeição… já tem que pensar na próxima!
Não podemos esquecer de monitorar a roupa suja pra não faltar cueca de manhã cedo. É um tal de desce roupa, joga na máquina, estende uma parte, seca o resto, leva tudo lá pra cima, passa, dobra, guarda, argh!!
E ainda tem a faxina! Varre, lava, aspira, limpa balcão, lava banheiro… meu Deus!
Você olha pela janela: sua grama tá alta, cheia de ervas daninhas, as plantas secas… lá vamos nós cortar grama, colocar água nas plantas, remover ervas daninhas, repor as plantas que morreram, não acaba nunca!!
O carro tá sujo? Passe num lava-jato automatizado ou lave o carro você mesmo. Aquela multidão de gente se oferecendo pra lavar carro, seja quando você estaciona no trabalho, em estabelecimentos comerciais ou até na sua própria garagem simplesmente não existe.
Fora o inverno, quando temos que tirar a neve da entrada da casa e abrir o acesso dos carros à rua, isso tudo com muito cuidado para não escorregar e se machucar.
Depois de ter filhos, então, é que a rotina fica legal. Além de tudo isso, lá vamos nós trocar fralda, fazer mamadeira, passar noite em claro… No outro dia tem que estar prontinho pra trabalhar. Os meninos vão crescendo e é um tal de leva pra escola, pega na escola, leva na aula de violão, na ginástica, ajuda com as tarefas…
Um dia, fui contar isso tudo pra um amigo meu (só pra desabar mesmo) e o cara me vem com essa:
– Sim, se é essa trabalheira toda, tás fazendo o que aí mesmo?
É pra parar e pensar…