E vale a pena mesmo?

A pior pergunta de todas pra quem mora no exterior é a famosa: “e aí, vale a pena mesmo?”. Dela, derivam outras perguntas tão perigosas quanto a original: “vocês tão muito bem aí, né?”, “vocês ainda pensam em voltar?”, “primeiro mundo é outra coisa, né?”, “vocês gostam mesmo de morar tão longe?”.

Eu fico logo suando frio, não sei nem como começar a responder. Se Guida estiver por perto, damos uns suspiros e trocamos aquele olhar de “por onde começar”…

Fico relembrando as infinitas conversas que já tivemos com amigos (e amigos de amigos) que tinham interesse na imigração. Sempre nos colocamos à disposição para ajudar a responder perguntas sobre a vida aqui (tirando as mais indiscretas, claro). É possível que tenhamos demorado a responder por conta do corre-corre rotineiro. É possível até que tenhamos esquecido de responder a algumas mensagens que tenham ficado “enterradas” na nossa caixa de entrada (mil perdões se isso aconteceu com você!), mas no geral, sempre nos colocamos à disposição para ajudar.

Uma coisa que sempre procuramos evitar nessas conversas é a situação em que as pessoas interessadas na imigração tentam basear a decisão delas nas nossas escolhas. É o famoso pensamento do ”se deu certo pra eles, vai dar certo pra mim também”.

Opa! Muita calma nessa hora! Em se tratando de imigração, não existe decisão certa ou errada. Na apresentação do blog, deixo claro que não é minha pretensão dar dicas de imigração, mas aqui vai uma: a decisão final só pode ser tomada pelo indivíduo, juntamente com a sua família.

Óbvio que colher informações sobre a vida no exterior é um passo importante na decisão, mas cada um vai dar pesos diferentes a estas informações e, dependendo de um conjunto de fatores, a balança vai pender para um lado ou para o outro. A decisão é muito pessoal.

No meu caso, fatores como a baixa tolerância à desorganização e ao “jeitinho brasileiro”, somados a uma dose considerável de violência sofrida pela nossa família pesaram muito na decisão.

Tirando a distância da família e a diferença brutal no clima, os pontos de decisão que mais aparecem nessas conversas são:

  • nível do inglês (ou do francês para os que tentaram a imigração via Quebec): principalmente em relação à insegurança de ter que falar uma língua sem dominá-la completamente;
  • fase da vida: se a pessoa é solteira, recém-casada, com filhos, etc;
  • estabilidade do emprego: para muita gente que trabalha no setor público, o dilema é abrir mão de emprego estável, com aposentadoria garantida e enfrentar o desconhecido da vida em outro país… a mesma coisa para os da iniciativa privada que construíram o seu próprio negócio ou têm muito tempo serviço na empresa onde trabalham;
  • área de atuação: profissões na área de saúde e engenharia, por exemplo, terão que passar por um processo longo (e muitas vezes caro) de validação de diploma, certificação junto às entidades regulamentadoras da profissão, etc.

Quando estava considerando a imigração, como meu nível de inglês era de intermediário para avançado, estava recém-casado, sem filhos, disposto a explorar novos horizontes numa área não-regulamentada e não tinha estabilidade de emprego, a balança pendeu para o lado da imigração. Apesar de todos os fatores negativos (saudade, distância, clima, etc).

Se eu apresentasse os mesmos fatores a outra pessoa, a balança poderia ter ido para o lado oposto.

Também não quero dizer que uma pessoa que tem um nível menos avançado de inglês, ou que tenha filhos, ou que tenha um emprego estável, etc, deva desistir da empreitada. Mas é mais fácil imigrar conhecendo bem a língua? Obviamente, sim. É mais fácil imigrar sem filhos? Por um lado, acho que sim, pois pode-se arriscar mais em relação a emprego e constantes mudanças típicas do início da adaptação. Mas, por outro lado, pode-se argumentar que vindo com a família completa, o imigrante tem uma estrutura mais sólida para encarar o desafio, e até mais garra para vencer. Enfim, depende.

No final das contas, quem já imigrou sempre está à disposição dos amigos para contar um pouco da experiência e dar informações sobre como as coisas funcionam. Mas, o candidato a imigrante não pode cair na tentação de transferir a decisão para quem já imigrou. O imigrante calejado, vai sair pela tangente até a pessoa se cansar. Vai ser uma conversa mais ou menos assim:

Amigo pensando na imigração:

– Opa, Fulano. Tudo jóia? Rapaz, tô levando adiante aquela ideia de imigrar, o que é que tu achas?

Imigrante calejado:

– Que legal, mermão! E aí?

– E aí, eu que pergunto, você acha que eu me daria bem aí?

– Rapaz… depende…

– Depende de que?

– De tantas coisas, da sua tolerância à saudade da terrinha e da família, a mudança cultural, o clima, etc.

– É, sou muito apegado à família… e adoro minha cervejinha na praia, não sei como viveria longe disso, cara! Acho que vou ficar por aqui mesmo…

– Pois é, tem que se levar tudo isso em consideração.

– Mas você superou tudo isso, né?

– Sim e não, a gente aprende a conviver, mesmo que nunca superando certas adversidades. Mas eu sou eu. Posso ter expectativas diferentes das suas.

– Mas, cara, eu não aguento isso aqui mais não. Tá uma loucura; trânsito, violência, corrupção… acho que tenho que sair do país mesmo. Né, não?

– Depende.

– Bicho, tu não vai me ajudar mesmo a tomar essa decisão?

– Rapaz, posso ajudar nas informações, dar uma mão se vocês decidirem vir, ajudar na chegada e tal, mas decidir mesmo, posso não, brother.

– Mas e aí é tudo primeiro mundo, né irmão? Tudo funciona perfeitamente, né?

– Algumas coisas funcionam mais do que as outras.

– E emprego? Garantido, né?

– Nada é garantido. Não tem emprego garantido nem pra mim, que já tô aqui faz um tempão, quando mais pra quem tá chegando.

– Mas, diz aí, se você tivesse na minha situação, o que você faria?

– Rapaz, vou dizer assim, numa boa, veja bem, pensando direitinho, eu acho que…

– Diz logo!

– DE-PEN-DE!

Para os que não conseguiram ver o video acima, aqui vai outra opção: