Violência Despencando

Em termos de violência, o Canadá tem motivos de sobra para comemorar. Ano após ano, os índices de criminalidade vêm caindo consistentemente. E não é ação de um só governo. Nem de uma área específica do país. A violência vem caindo no país inteiro, independente de qual partido esteja no poder.

A cidade de Toronto, com seus 3 milhões de habitantes (sem contar a Grande Toronto, que tem 6 milhões ao todo) registrou em 2015 um total de 56 homicídios.

Desses 56 homicídios, apenas 9 tiveram mulheres como vítimas. Não que eu queira minimizar os casos de violência doméstica, mas em termos de homicídios, ser homem é bem mais perigoso. Aliás, ser homem e jovem. Na média nacional, a grande maioria tanto das vítimas quando dos acusados são homens entre 18 e 24 anos.

A cidade de Ottawa fez ainda mais bonito do que Toronto: apenas 7 homicídios registrados em 2015, todos eles resolvidos pela polícia. Os números são tão baixos em Ottawa, que as estatísticas variam radicalmente de ano a ano. A cidade registrou, por exemplo, 23 homicídios em 1995 e apenas 2 em 2001.

Olhando os números nacionais, podemos observar que o índice de homicídios chegou ao nível mais baixo desde 1966. Isso mesmo! A taxa de homicídios está despencando a um patamar que não era visto há 50 anos!

Nos últimos dois anos, o número de homicídios por 100.000 habitantes atingiu o mesmo nível de 1966. Fonte: Statistics Canada
Nos últimos dois anos, o número de homicídios por 100.000 habitantes atingiu o mesmo nível de 1966. Fonte: Statistics Canada

Os índices de criminalidade atingiram o pico no Canadá entre os anos 80 e 90, quando a crise do petróleo provocou recessão, inflação e desemprego. Nas últimas décadas, estes índices vêm caindo sistematicamente com o baixo nível de desemprego, a economia estável e o alto nível de educação. A média nacional ainda não foi divulgada para 2015, mas em 2013 e 2014, ela se manteve estável (1.46 homicídios para cada 100,000 habitantes em 2013 e 1.45 em 2014). Apesar dos 4 homicídios a mais em 2014 (516, contra 512 de 2013), o índice baixou um pouco devido ao aumento populacional.

Esses números seriam ainda mais impressionantes se não fosse a atividade de gangues. O número de jovens envolvidos em tiroteios ou sendo esfaqueados continua sendo uma preocupação para as autoridades, embora o número de mortes por brigas de gangues também venha caindo nos últimos dez anos:

Número de homicídios relacionado a gangues também está em baixa. Fonte: Statistics Canada
Número de homicídios relacionado a gangues também está em baixa. Fonte: Statistics Canada

Assim como os suicídios, a violência entre os povos nativos também é bem maior do que a média nacional. 117 dos 516 homicídios aconteceram contra pessoas que fazer parte de algum grupo indígena. Ou seja, 23% dos homicídios atingem apenas 5% da população! Embora não sirva de consolo, os casos contra representantes dos povos nativos em 2014 tiveram um grau maior de resolução, com 85% dos casos resolvidos no mesmo ano, contra apenas 71% da população em geral.

Mas isso não quer dizer que os casos que ainda estão em aberto não serão resolvidos. A polícia está sempre revisitando casos antigos e reabrindo investigações quando novas informações ou técnicas de investigação se tornam disponíveis.

Em novembro de 2015, a polícia prendeu um suspeito de ter assassinado um frentista em novembro de… 1990! O acusado, agora com 61 anos de idade, se mostrou “bastante surpreso”, de acordo com o relato dos policiais que lhe deram voz de prisão. Como os policiais chegaram ao suspeito? Simples: com as novas técnicas de análise de DNA, os investigadores examinaram novamente itens colhidos na cena do crime e que estavam arquivados há 25 anos.

Não é só o números de homicídios que vem caindo. A tendência é para todos os tipos de crimes:

Crime em geral segue a mesma tendência de queda do número de homicídios. Fonte: Statistics Canada
Crime em geral segue a mesma tendência de queda do número de homicídios. Fonte: Statistics Canada

Como consequência, as pessoas não têm medo de andar na rua. E isso tem um peso enorme na qualidade de vida!

Em 2001, quando ainda morava em Ottawa, viajei a Toronto para ver um show. O hotel ficava no centro, mas a uns 7 ou 8 quarteirões do local do evento. Fui e voltei a pé, sem medo. No trecho inicial, seguindo a multidão. Mas, com o passar do tempo, mais e mais pessoas chegavam aos seus respectivos destinos, especialmente as estações do metrô. E eu segui o meu caminho semi-deserto até chegar no hotel sem problemas.

Nos últimos anos, como Louisa tem participado de eventos na CNE (Canadian National Exhibition), a maior feira anual do Canadá e a quinta maior da América do Norte, tenho feito uma das coisas que mais me estressam: enfrentar uma multidão. Mas, tirando o estresse de estacionar (o que já me fez ir de trem, carregando violão e tudo mais), o resto é bem tranquilo. Não tem empurra-empurra, todo mundo espera na fila, ninguém preocupado com relógio, nem câmera, etc.

Anoitecer na CNE. Multidão flui com naturalidade na maior feira canadense
Anoitecer na CNE. Multidão flui com naturalidade na maior feira canadense

Já nos metemos sem querer numa multidão mais complicada: a Caribana. A Caribana é uma espécie de carnaval de verão, trazida pelos imigrantes caribenhos. Um belo dia, decidimos visitar as ilhas do centro de Toronto, sem saber que era o dia da Caribana. Sol escaldante, muita gente, horas esperando o barco que dá acesso às ilhas. Mas nada de confusão.

Ruas desertas também não me metem medo. Já aconteceu de chegarmos em casa de madrugada e eu lembrar que não havia andado com o cachorro. Não tem problema. Pego a coleira e a gente se manda pela madrugada silenciosa.

Caminhada pelas ruas desertas numa noite de lua cheia
Caminhada pelas ruas desertas numa noite de lua cheia

Sei que muitas pessoas questionam como a gente consegue encarar essa empreitada da imigração, ficando longe da terra natal, da família, das nossas origens. Como alguém decide viver longe de tudo isso, aprender uma outra língua, inserir-se em outra cultura, encarar frio, neve, ventania, desemprego e todos os desafios que a imigração traz. Mas, para mim, poder andar tranquilo na rua, seja numa multidão ou numa rua deserta, seja meio-dia ou meia-noite, sem ter que me preocupar com relógio, celular, e principalmente, com a minha vida, ah, isso não tem preço.

Em 1998, antes de pensar em imigrar para o Canadá, fiz uma viagem ao Chile. Naquela época, o país estava em polvorosa com a iminência de Augusto Pinhchet se tornar senador vitalício (o que de fato aconteceu, embora ele tenha renunciado em 2002). A constituição chilena da época permitia que ex-presidentes se tornassem senadores para o resto da vida. Santiago estava repleta de protestos. As famílias das vítimas da ditadura chilena estavam inconformadas em ver o ex-ditador assumir um cargo político, ainda mais para a vida toda. Os carabineros (polícia federal chilena) estavam em todo lugar.

Perguntei a um funcionário do hotel o que estava acontecendo e ele me explicou a situação.

– Pelo menos tem muita polícia na rua, não é? Faz a cidade ficar mais segura… – continuei a conversa com o meu espanhol pra lá de macarrônico.

– E quem disse que polícia na rua significa cidade segura? – arrematou o sábio funcionário, me deixando sem resposta.

E ainda completou:

– Cidade segura é aquela que NÃO PRECISA de polícia na rua.

Hoje entendo o que ele quis dizer…

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