Cá estamos nós, curtindo o nosso breve verão, esquecidos das botas, luvas, toucas, aproveitando as praias, andando de bermuda e sandália, despreocupados da vida.
De repente, bate aquele vento frio. Já precisamos de um casaquinho leve. Os dias já vão ficando mais curtos. Já não temos a luz do sol depois das 9 da noite. As crianças já se preparando para a volta às aulas. Ainda assim, continuamos nos iludindo, achando que ainda é verão. Até que olhamos para uma árvore e temos a prova definitiva:
– NÃÃÃÃÃÃÃÃÃOOOOOOOOOO!!!
É o que vem à nossa cabeça ao constatarmos que as folhas estão enfim mudando de cor. Não há mais como negar. O outono chegou.
A temperatura muda rapidamente. Lembro que em setembro de 2000 (nosso primeiro outono), eu fui ao ministério dos transportes no meio do dia, só com uma camisa de manga curta. Como ainda não tinha carro (nem carteira de motorista; estava exatamente indo fazer a prova teórica naquele dia), fui de ônibus. Saí com um calorzinho gostoso, sem a menor necessidade de agasalho. Enquanto eu fazia o exame, tudo mudou. No meio da tarde, o vento já me castigava. Enquanto estava na parada, contava os segundos para o ônibus chegar, o que parecia que não ia acontecer nunca. O outono se apresentava com a sua primeira baforada fria, ensinando-me a não menosprezá-lo.
Com a mudança no clima, precisamos voltar ter cuidados especiais depois de ficarmos mal acostumados durante o verão. Não é só se proteger do frio com roupas mais pesadas. Lábios rachados com a queda da temperatura, pele bem mais seca e sangramentos no nariz são comuns por conta da falta de umidade. Sempre tivemos problemas com esse três fatores.
Meu lábio é o primeiro a rachar lá em casa. Começa com aquele incômodo, depois fica ardendo e quando olho no espelho, parece que estou usando batom! Todos sofremos também com a pele seca. Não só as mãos, que sempre ficam mais expostas, mas também outras extremidades como joelhos e cotovelos ficam com a pele seca e grossa.
No início, eu sofria bem mais do que atualmente. Tanto que, no primeiro ano, comecei a ter uma coceira nas costas, como uma alergia ao clima. Fui ao médico e ele recomendou passar hidratante e ver um dermatologista. Como eles só tinham horário para o início da primavera (falaremos sobre o sistema de saúde canadense e a demora para conseguir ver um especialista em outra oportunidade), terminei cancelando, pois a maldita coceira foi desaparecendo à medida que a pele foi ficando mais hidratada.
Mas nada supera o inconveniente sangramento no nariz (o chamado nosebleed). Nesse, meus meninos são campeões. Louisa já teve sangramentos homéricos, que nos levaram a procurar socorro médico imediatamente. Ela também já teve sangramentos nas horas mais inconvenientes, como na hora de entrar no ônibus escolar. Recentemente, teve as duas narinas cauterizadas com o intuito de controlar esses sangramentos. Espero que funcione!
Numa dessas emergências, a médica de plantão começa a ensinar a Louisa como plugar o nariz com os dedos para estancar o sangramento. Não satisfeita, ela decide demonstrar o procedimento em mim também! Do nada, chega junto de mim e aperta o meu nariz! Se tem uma coisa que odeio mortalmente é que apertem o meu nariz!! Se você quiser um dia que eu lhe dê um murro, aperte o meu nariz!!! Vai ser o meu reflexo imediato. Mas, obviamente, não foi isso o que eu fiz. Contei até um milhão pra evitar perder a paciência com a médica e esperei ela fazer a sua demonstração inusitada. Guida, que sabia o quanto eu odeio que cheguem perto do meu nariz, caiu numa gargalhada incontrolável. A coitada da médica ficou sem entender nada… Tive que explicar:
– Desculpe, doutora, é que ela sabe que eu não gosto que peguem no meu nariz – disse, todo sem jeito…
A risadagem continuou. Ela simplesmente não conseguia parar. Isso só fez aumentar a minha raiva. A consulta foi um desastre. Lá estou eu com a menina sangrando sem parar pelo nariz, cheia de algodão nas narinas e a outra rindo descontroladamente no meio da consulta. Assim saímos da clínica, passamos pela recepção com todo mundo olhando, chegamos ao carro e ela sem parar de rir… Eventualmente, conseguiu controlar o riso, mas já estávamos longe da clínica quando isso aconteceu. E a minha paciência já tinha ido pro espaço…
Mas, o maior susto com nosebleeds veio de Thomas. Uma vez, ele teve um sangramento enquanto dormia. Sem acordar, começou a esfregar o sangue que escorria do nariz pelo rosto, pescoço, lençol, travesseiro, etc. Quando notei que ele estava se mexendo muito e fui checar como ele estava, encontro o menino todo ensanguentado! E eu sem nem saber de onde o sangue vinha! Parecia cena do Walking Dead. Só me acalmei depois que pude checar que estava tudo bem com ele e o sangue vinha do nariz.
Com tantos contratempos, precisamos nos defender do clima. Não podemos abrir mão do kit básico: pomada de cacau, creme hidratante e caixas de lenço. Não é frescura. É necessidade. Temos um kit desse em cada carro, no trabalho e em cada quarto da casa. Também temos um umidificador central e umidificadores portáteis no quarto de cada um.
Depois de passado o choque inicial, o outono em si não é tão ruim. Os tons de laranja, vermelho e dourado tomam conta da paisagem. Confesso que em termos de visual, é a minha estação favorita. Um colorido majestoso comandado pela mãe natureza.
A temperatura mais amena também é agradável. Principalmente depois de um verão com temperaturas acima da média. Várias trilhas em florestas ou ao redor de lagos ficam mais interessantes nesta época do ano, com a paisagem colorida e sem o calor desconfortável.
Ao longo desses 15 anos, sempre tivemos oportunidades em conhecer lugares novos no outono e apreciar a beleza do cenário.
Confiram a galeria abaixo com fotos desses tantos outonos:
A própria bandeira canadense é baseada no outono, com sua folha de maple vermelha. A bandeira atual nasceu em 1965, depois de muita controvérsia no parlamento, onde o primeiro-ministro Lester B. Pearson (proponente da nova bandeira) entrou em conflito com o líder da oposição John Diefenbaker (contrário à mudança). Com um governo minoritário, quase colocou o seu mandato em risco por causa da bandeira. A ideia era se livrar de qualquer menção à coroa britânica, tremendamente impopular em Quebec. Obviamente, também não poderiam usar a fleur-de-lis associada à resistência francesa. A flor do maple vermelha foi a solução ideal, pois representava o Canadá sem fazer referência nem aos britânicos, nem aos franceses.
Durante o outono são comemorados o Thanksgiving, que reúne a família e os amigos, e o Halloween, que faz a festa da criançada. Falaremos mais sobre essas duas datas em outras oportunidades.
De certa forma, o outono também é uma época de reencontros. Muitas pessoas viajam durante o verão e não se veem até o outono chegar. É época também de ver as crianças voltando às aulas e matando a saudade dos seus amiguinhos.
Sim, então por que o desespero do início do post ao ver as folhas mudando de cor? Simples: por causa do que vem depois…
“Contei até um milhão pra evitar perder a paciência com a médica e esperei ela fazer a sua demonstração inusitada”.
Hahaha, queria ter visto isso! ;-P
PS: ansioso pelo post sobre o sistema de saúde canadense.
Continuo acompanhando o blog,sempre uma boa leitura! Sou apaixonada pelo outono, mas ver a primavera chegar, para mim, é um evento indescritível… E como mencionaram acima, eu também aguardo o post sobre o sistema de saúde canadense…vejo tantas opiniões opostas, uns dizem maravilhas e outros não. Eu que já trabalhei pro SUS posso dizer que sei bem o que é um sistema precário, bonito de se ver só no papel mesmo… Saudações!