A Base da Educação

Setembro é o mês no qual se inicia o ano letivo no Canadá. Faz sentido.

Todo mundo quer aproveitar o verão, então as crianças estão de férias durante os meses de julho e agosto. Nada mais natural do que começar o ano letivo em Setembro e terminá-lo em junho. Há ainda duas semanas de férias no período do Natal e Ano Novo e mais uma semana de folga em março.

Enfim, este mês estou com educação na cabeça.

Toda vez que vou ao Brasil, ouço o povo reclamando da educação do próprio povo. Eu juro, não reclamo de nada, fico caladinho, só observando. Qualquer coisinha que eu falar vai dar margem a comentários do tipo “ah, depois que foi morar no exterior ficou besta, arrogante, cheio de frescura”. Então, fico na minha.

Mas observar pode, né Arnaldo? Então tá.

Já repararam que todo mundo reclama do trânsito, mas ninguém dá a vez quando alguém quer mudar de faixa ou sair de um estacionamento? É um tal de “na minha frente não!” E eu só observando… Todo mundo reclama da corrupção, mas se tiver uma chance de dar uma propina ao guarda e se livrar da multa, não tem nem o que pensar. E eu só observando… Todo mundo reclama da falta de honestidade, mas a pirataria come solta! E eu só observando…

Quando nos mudamos pra cá, fiquei impressionado em ver como as coisas funcionavam. Paradas de ônibus lotadas no centro de Ottawa, mas ainda assim todo mundo entrava e saía do coletivo sem problemas, sem empurra-empurra, sem gritaria, sem algazarra. Pedestres atravessando a rua com tranquilidade enquanto os carros esperavam o final da travessia para poder andar. Motoristas facilitando a sua vida quando você ligava a seta para mudar de faixa. Filas sempre sendo respeitadas, ruas limpas e bem mantidas, tudo fluindo em ordem. Que diferença para o estresse que a gente passava no Brasil.

Uma coisa que sempre me deixou com a pulga atrás da orelha foi essa mania de responsabilizar as escolas pela falta de educação geral do povo. Ora, se o nome é educação doméstica, ela não deveria vir de casa??

Louisa e Thomas indo para a escola - Setembro/2015
Louisa e Thomas indo para a escola – Setembro/2015

Faz sentido. No entanto, vendo Louisa e Thomas crescendo nas escolas canadenses, entendo como a escola é parceira da família na solidificação dos valores de uma sociedade. Sempre observando, consegui identificar um conjunto básico de valores que sustenta a civilidade canadense:

REGRA NÚMERO 1 – as palavrinhas mágicas

A regra mais importante de todas – existem quatro termos mágicos que devem sempre ser usadas: please, thank you, excuse me, sorry. Isso mesmo: peça por favor, agradeça, peça licença e peça desculpas. A escola cai em cima dos meninos com o use dessas palavrinhas. Se a criança já vier educada de casa, ótimo. Senão, toda vez que a criança good_mannerspedir uma coisa e não disser por favor, vai ser corrigida. Toda vez que não agradecer, será corrigida. Toda vez que não pedir licença, será corrigida. E (vocês já adivinharam) toda vez que não pedir desculpas quando fizer algo que não deveria, será corrigida.

Certa vez, estávamos no mall e Thomas não estava se comportando direito. Estava cansado e dando muito trabalho. Terminei alugando um dos carrinhos para crianças e ele adorou. Numa das lojas em que entramos, deixei o carrinho num corredor onde não estava passando ninguém. Eis que vem um rapaz sem que eu notasse e queria passar pelo corredor que o carrinho estava bloqueando. Bermudão, tatuado da cabeça aos pés, cabelão preso num rabo de cavalo. Só pelo visual, já despertaria milhões de comentários ou pensamentos indiscretos no Brasil. O cara vira pra mim e diz:

Excuse me.

Oh, I’m sorry – respondi, tirando o carrinho do caminho do rapaz.

Thank you – respondeu ele, seguindo seu caminho sem nem olhar na minha cara.

Comunicação simples e efetiva. Nem precisou empurrar o carrinho com o menino dentro, numa atitude grosseira. Nem precisou reclamar de mim, nem fazer cena, o que seria mais grosseiro ainda. Nem também veio colocar a mão no meu ombro dizendo “opa, amigão, você pode tirar o carrinho da frente que eu quero passar. Sabe como é, tô com pressa e tal…”.

REGRA Número 2 – “personal space

O personal space é como se fosse o “espaço aéreo” ao redor de uma outra pessoa. Da mesma forma que não se invade o espaço aéreo de um país sem pedir autorização, também não se desrespeita essa linha imaginária pessoal sem consentimento. As escolas ensinam as crianças que não se toca em ninguém sem pedir permissão. Nem pra fazer um carinho. Quer abraçar o seu (sua) colega? Peça permissão. Se a resposta for negativa, deixe o(a) coleguinha em paz.

Evite tocar nas pessoas durante uma conversa. Se cada vez que você se aproximar, a outra pessoa der um passo para trás, é porque você está no personal space dela.

Com a exceção de ambientes muito informais, quando for apresentado a alguém, esqueça abraço. Não tem essa de beijinho; nem um, nem dois, nem três. Um aperto de mão é mais do que suficiente. Obviamente, à medida que as pessoas passam a se conhecer melhor, ter mais intimidade, etc, as coisas mudam e a natureza do relacionamento (profissional, amizade, etc) é que vai ditar como as pessoas se cumprimentam.

REGRA NÚMERO 3 – se não é seu, não pegue

O que não falta é ditado e justificativa pra pegar o que não é nosso. “Achado não é roubado”, diz o ditado (o inglês também tem um: “finders, keepers”). Já esquecemos pertences em lojas e voltamos para buscar.

Se você achar alguma coisa de valor na rua, escolha entre estas três alternativas: deixe o objeto onde ele está, entregue-o a uma seção de achados e perdidos, ou tente identificar o dono para devolvê-lo. Você vai se sentir muito melhor do que se ficar com aquele item para você.

Se você caminhar pelas ruas por aqui vai ver que muita gente deixa objetos de certo valor na frente das casas ou no jardim: carrinho de bebê, bicicleta, ferramentas de jardinagem, cortador de grama, etc.

Não pegue. Por que? Porque não é seu!

REGRA NÚMERO 4 – seu direito acaba onde começa o direito dos outros

Respeite filas, seja no cinema, no trânsito ou no parque de diversões. Você pode pensar que é a única pessoa que não gosta de esperar e que o seu tempo é mais valioso do que o dos outros, mas, acredite, ninguém gosta de ficar em fila. Mas as pessoas ficam por respeito aos que chegaram antes delas.

Vai dar uma festa? Legal! Mas não esqueça dos seus vizinhos! Quando der certa hora, abaixe o volume da música, evite incomodar as pessoas que não fazem parte da festa. Você tem o direito de se divertir, mas o seu vizinho não tem nada com isso. E, tenha certeza, se o barulho for mesmo insuportável, a polícia vai bater na sua porta.

REGRA NÚMERO 5 – ajude o próximo

elevator
Cartaz no hall do elevador do prédio onde trabalho: Não custa nada esperar a pessoa que está chegando.

Não precisa ser o famoso bom samaritano que tem que parar tudo o que está fazendo pra ajudar todo mundo o tempo todo. Mas, ajude um desconhecido nas coisas mais simples; não vai lhe custar nada. O motorista do seu lado quer mudar de faixa? Facilite a vida do cara! Alguém tá perdido? Vai lá e pergunta se precisa de ajuda! Lá vem um cara correndo pra pegar o elevador? Segura a porta! São coisas simples. É só seguir o bom senso.

Quando meus pais vinham nos visitar, logo depois que nos mudamos, eles viviam com um mapa na mão, descobrindo lugares novos. Uma das coisas que eles mais comentavam era o fato de não poderem nem abrir o mapa que já aparecia uma pessoa perguntando se precisavam de ajuda. Podia ser um engravatado, ou policial, um gari, qualquer cidadão comum parava e oferecia ajuda. Mesmo na carrancuda Toronto, onde todos estão sempre com pressa, as pessoas estavam sempre disponíveis para ajudar.

Sem falar que boas ações geram ações melhores ainda. Leiam este artigo e me digam o que acharam.

REGRA NÚMERO 6 – respeite as pessoas e guarde os seus comentários para você mesmo

Voltando ao meu exemplo do rapaz que me pediu licença porque Thomas estava bloqueando a passagem dele, a aparência dele não impactou em nada a minha atitude. Todo mundo trata os outros da mesma forma.

Não importa se a pessoa tem cabelo azul, piercing na sobrancelha, tatuagem em 99% do corpo, se são dois homens de mãos dadas, se a roupa tá fora de moda, o penteado é punk, se alguém se abaixou e mostrou metade da bunda. Não se ouve um comentário sobre nada disso. Nenhuma gracinha. Nenhuma piada. Nenhuma cantada barata. Não se vê um dedo apontando para o que é “fora do normal”.

As pessoas podem até comentar entre elas, sussurrando, mas nada acintoso que desrespeite a liberdade alheia. Como dizia o saudoso Ariano Suassuna: “se forem falar de mim, falem pelas costas que é muito menos constrangedor”.

REGRA NÚMERO 7 – rejeite a violência

Muita gente reclama da violência da sociedade, mas manda o filho bater nos outros!

A criança precisa ser ensinada que a violência não resolve. Se o irmão mais novo bater no irmão mais velho, não tem essa de “ah, ele é pequeno, não sabe o que está fazendo”. Se não sabe, vai ser ensinado que aquilo não é um comportamento aceitável. Menino que bate em outro na escola vai direto para a diretoria e ainda vai ouvir um esporro dos pais quando eles forem chamados à escola. “Ah, mas ele me xingou. Ah, ele tava me provocando”. Não interessa. Nunca dê o primeiro murro. Existem outras formas de resolver a situação.

É óbvio que a sociedade canadense não é feita de santos. Mas rejeitar a violência o máximo possível ajuda bastante a evitar que desentendimentos mundanos se transformem em tragédias.

 

Enfim, são valores simples em conceito, mas de difícil implementação em uma sociedade que não está acostumada a eles. Mas, acreditem, essas regrinhas básicas funcionam. E muito!

Dêem licença que por enquanto é isso. Obrigado pela visita ao blog, por favor voltem sempre e desculpem qualquer coisa!

3 respostas para “A Base da Educação”

Deixe o seu comentário